Patrimônios históricos: desafios e meios para preservar os bens nacionais
Ao buscar a definição do termo “patrimônio” no dicionário online Michaelis, uma delas destaca ser qualquer bem material ou moral, pertencente a uma pessoa, instituição ou coletivo. Quem entra nesse conceito são os monumentos brasileiros, que retratam a história do país.
Segundo a Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, realizada em 1972 pela Unesco, monumentos, conjunto de construções e sítios arqueológicos são elementos que podem ser considerados patrimônio cultural.
Na época em que foi elaborado, o documento já destacava uma preocupação com os patrimônios culturais devido à ameaça de sua destruição através da evolução da vida social e econômica, além de fenômenos de alteração desses elementos. Conforme a Convenção, o desaparecimento de um bem cultural é prejudicial para toda a sociedade.
Monumentos são registros
Do Teatro Amazonas, em Manaus, até o Congresso Nacional, em Brasília, ou a Cidade Histórica de Ouro Preto, em Minas Gerais, cada elemento desses patrimônios culturais é uma espécie de museu, que conta, de alguma forma, a história do Brasil.
“O patrimônio depende de cada sociedade e lugar, pois consolida um processo histórico, sendo uma referência para as pessoas sobre o que aconteceu”, destaca Mônica Junqueira de Camargo, chefe do departamento de História e Estética do Projeto da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e de Design da Universidade de São Paulo (FAUUSP).
Esse é um dos pontos principais para entender a necessidade de projetos e movimentos que preservem esses bens.
Segundo Hélio Hirao, do departamento de Planejamento, Urbanismo e Ambiente da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Unesp, esses espaços acumulam memórias que, ao longo do tempo, servirão de base para o futuro. “Temos que pensá-los como um processo de construção e transformação, que podem ser ressignificados”, diz.
Um exemplo recente de violação aos monumentos de patrimônio público e cultural foi o ataque em 8 de janeiro às sedes dos Três Poderes, em Brasília.
Além da tentativa de um golpe, a identidade da história modernista no Brasil também foi afetada. A cidade foi construída a partir do planejamento de grandes nomes da arquitetura brasileira: Lúcio Costa e Oscar Niemeyer.
“Brasília tem o significado de um ‘novo Brasil’. Ela simboliza um país mais justo e vitorioso, além da importância política e cultural”, destaca Gustavo Cantuária, arquiteto e urbanista do Centro Universitário de Brasília (CEUB).
O Palácio do Planalto e o da Alvorada, por exemplo, são construções marcantes para a história da cidade e do país. Conforme Gustavo, as formas geométricas na arquitetura de muitos prédios passam uma mensagem de democracia.
“O Niemeyer fez um trabalho volumétrico e escultural, criando uma linguagem distinta que propôs uma nova faceta do Brasil, saindo da cultura colonial”, diz. Inclusive, todo o conjunto de Brasília foi reconhecido como Patrimônio Mundial em 1987. Além da escala global, os bens podem ter essa classificação a níveis municipais, estaduais e federais.
Importância em preservar monumentos históricos
Seja a Estação da Luz, em São Paulo, sejam os Arcos da Lapa, no Rio de Janeiro, as cidades têm esses marcos para que a sociedade entenda os processos que já aconteceram em determinadas regiões. “Acho que precisamos ativar as conexões dos corpos com seus espaços de habitar”, destaca Hélio.
“Ao nível nacional, é importante valorizar locais como Recife, em Pernambuco, e o Pelourinho, na Bahia, para entender de onde viemos. Mas, infelizmente, muitos desses centros estão abandonados e com estruturas caídas. Quando se perde esse patrimônio, a nossa história se extingue”, pontua Gustavo.
Algo destacado pelo arquiteto é a falta de um museu da escravatura no Brasil, como uma forma de impedir a permeação de períodos que deixaram cicatrizes na história.
Desafios para a preservação
Um dos pontos destacados na Convenção realizada pela Unesco foi o compromisso do Ato Constitutivo da Organização em ajudar a conservar os patrimônios, para difundir conhecimento por meio desses elementos. Mas há diversos desafios para essa preservação.
“O grande problema é que esses bens sofrem pressão do mercado imobiliário, porque o setor quer realizar outras construções nesses lugares”, explica Mônica. Como as instâncias que determinam se determinados bens se tornarão patrimônios dependem do governo, é preciso uma conscientização na gestão pública. O governo deveria ter uma sensibilização maior em relação aos patrimônios. Na maioria das vezes, ele cede para a pressão imobiliária.— Mônica Junqueira de Camargo
Hélio complementa como esse processo é desigual. “É preciso encontrarmos um meio-termo para não termos uma cidade sem memórias. Precisamos manter a história com um espaço funcional econômica e financeiramente”, comenta.
Conforme Mônica, outra ideia do patrimônio é que a paisagem não mude constantemente, para manter uma identidade. “Podem ter ocupações e reformas para ter outro uso, mas sem desconfigurar o cenário”, diz. Porém, o Brasil é um país com um histórico de mudanças nesse sentido.
“Os modos de habitar mudam devido à incorporação de novas tecnologias. Como a arquitetura acompanha mudanças de contextos, ela também tem que ser vivenciada, participar do cotidiano das pessoas, senão ela perde o sentido”, ressalta Hélio. Mas outro problema é a falta de verbas para a manutenção de muitos espaços.
Caminhos para a conscientização
O destaque de alguns órgãos, como o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), é uma das formas de sensibilizar a sociedade sobre a importância histórica desses bens, como aponta Gustavo. “Também é importante ter planos e investimentos no Ministério da Cultura.”
Inserir a edução patrimonial no Ensino Fundamental também é um processo importante, para que as crianças já entendam esse valor. Além disso, a gestão pública precisa trabalhar em conjunto com a comunidade. “Se for ativado o sentido de pertencimento, as pessoas cuidarão desses patrimônios”, finaliza Hélio.
FONTE: revistacasaejardim.globo.com